Visões: Textos de Sri Aurobindo e da Mãe

   Experiência espiritual significa o contato com o Divino em nós mesmos.... Assim que você tem a experiência espiritual, a qual ocorre sempre na consciência interna, ela é traduzida em sua consciência externa e definida ali de um modo ou de outro de acordo com sua educação, fé e predisposição mental. Há apenas uma verdade, uma só realidade, mas as formas através das quais ela pode ser expressa são muitas.


Mãe

   Se se produz o rompimento do véu que encobre a mente, o que ocorre é a abertura da visão para algo que está acima de nós, ou a ascensão rumo a isso, ou a descida de seu poder em nosso ser. O que vemos pela abertura da visão é uma Infinitude acima de nós, uma Presença eterna ou uma Existência Infinita, uma infinitude de consciência, uma infinitude de felicidade – um Espírito ilimitado, uma Luz ilimitada, um Poder infinito, um Êxtase sem fim.

   O poder da Mente Espiritual Superior e sua idéia-força, modificado e diminuído inevitavelmente por sua entrada em nossa mentalidade, não é suficiente para abolir todos esses obstáculos e criar um ser gnóstico, mas ele pode realizar uma primeira mudança, uma modificação que tornará possível uma ascensão maior e uma descida mais poderosa, além de preparar a integração do ser para uma Força superior de consciência e conhecimento. Esta Força maior é a da Mente Iluminada, uma Mente não mais de Pensamento superior, mas de luz espiritual. Aqui, a claridade da inteligência espiritual, sua tranqüila luz diurna, dá lugar ou se subordina a um intenso brilho, ao esplendor e à iluminação do espírito: um jogo de relâmpagos da verdade e do poder espiritual irrompe do alto na consciência e acrescenta à calma e ampla iluminação e à vasta descida da paz, que caracterizam ou acompanham a ação do princípio espiritual-conceitual maior, um flamejante ardor de realização e um arrebatador êxtase de conhecimento.

    Uma precipitação de Luz interiormente visível envolve muito freqüentemente esta ação; pois deve ser notado que, ao contrário de nossas concepções ordinárias, a luz não é primariamente uma criação material, e a sensação ou visão da luz acompanhando a iluminação interior não é apenas uma imagem visual subjetiva ou um fenômeno simbólico: a luz é primariamente uma manifestação espiritual da Realidade Divina iluminativa e criadora; a luz material é uma representação subseqüente ou uma conversão dela na Matéria para os propósitos da Energia material.

   Para o conhecimento, uma consciência que atue por meio da visão – a consciência do vidente – é um poder superior ao da consciência do pensador. O poder perceptivo da visão interior é maior e mais direto que o poder perceptivo do pensamento...

   A Mente Iluminada não trabalha primariamente por meio do pensamento, mas pela visão; aqui, o pensamento é apenas um movimento subordinado, expressivo da visão. A mente humana, que se apóia principalmente no pensamento, o considera como o mais elevado ou o principal processo de conhecimento, mas na ordem espiritual o pensamento é um processo secundário, e ele não é indispensável.

   Assim como a Mente Superior traz uma consciência maior ao ser através da idéia espiritual e seu poder de verdade, do mesmo modo a Mente Iluminada traz uma consciência maior através da visão-da-Verdade e da luz-da-Verdade e seu poder vidente e cognitivo. Ela pode efetuar uma integração mais poderosa e dinâmica; ela ilumina a mente pensante com a visão interior e uma inspiração direta, proporciona ao coração a visão espiritual e a seu sentimento e emoção, luz e energia espirituais; concede à força-de-vida o impulso espiritual, a inspiração da verdade que dinamiza a ação e exalta os movimentos vitais; ela infunde nos sentidos o poder direto e pleno de sensação espiritual, de modo que nosso ser vital e físico possa contactar e encontrar concretamente, tão intensamente como a mente e a emoção podem conceber, perceber e sentir, o Divino em todas as coisas; ela lança na mente física uma luz transformadora que rompe suas limitações, sua inércia conservadora, substitui seu estreito poder de pensamento e suas dúvidas pela visão e derrama luminosidade e consciência nas próprias células do corpo.

   Na transformação produzida pela Mente Superior, o sábio e o pensador espiritual encontrariam sua plena e dinâmica realização; na transformação da Mente Iluminada, haveria uma realização similar para o vidente e para o místico iluminado, aqueles nos quais a alma vive na visão, na percepção e na experiência diretas; pois é dessas fontes superiores que eles recebem sua luz, e elevar-se para essa luz e viver nela seria uma ascensão para seu reino nativo.

   As visões geralmente precedem a realização e, de certo modo, a preparam.

   Se é para haver uma realização completa, o rompimento do véu é indispensável.

   (Pergunta: Poderia uma visão da Mãe ou o fato de vê-la em sonho ou desperto, ser chamado de realização?):

   Isto seria mais uma experiência que uma realização. Uma realização seria a da presença da Mãe no interior, a sua força realizando o trabalho; ou a da Paz ou do Silêncio em toda a parte, a do Amor universal, a da Beleza ou do Ananda universal, etc., etc. As visões acompanham as experiências, a menos que elas se fixem e sejam seguidas por uma realização da qual se tornem, por assim dizer, os suportes – ou seja, a visão constante da Mãe no coração ou acima da cabeça, etc.

   A Supramentalização dos sentidos físicos traz consigo um resultado similar, neste campo, àquele que experimentamos na transmutação do pensamento e da consciência. Tão logo a visão se torne alterada sob a influência da visão supramental, o olho obtém uma nova e transfigurada visão das coisas e do mundo ao nosso redor. Sua visão  adquire uma extraordinária totalidade e uma imediata e abarcante precisão, na qual o todo e cada detalhe sobressaem ao mesmo tempo na completa harmonia e expressividade do significado fixado pela Natureza no objeto e sua realização da idéia na forma, executada num triunfo de existência substancial.

   O olho físico parece então trazer em si um espírito e uma consciência que vê não apenas o aspecto físico do objeto mas a alma de qualidade nele, a vibração de energia, a luz, a força e a substância espiritual da qual ele é feito. Desse modo, através dos sentidos físicos, manifesta-se para a consciência total dos sentidos no interior e por trás da visão, a revelação da alma daquilo que é visto e do Espírito universal que está se expressando nessa forma objetiva de seu próprio ser consciente.

   A realização consiste em três movimentos sucessivos: a visão interior, uma completa experiência interna e a identidade.

   Após esta revelação, não importa quantas vezes se desvaneça a luz, quantos períodos de trevas possam afligir a alma, pois ela não pode jamais perder de maneira irrecuperável o que ela uma vez conquistou. A experiência é inevitavelmente renovada e deve tornar-se mais freqüente, até que seja constante; quando e com que rapidez, depende da devoção e da persistência com a qual insistimos no caminho e assediamos com nossa vontade ou nosso amor a Deidade oculta.

   Essa visão interior é uma forma de experiência psicológica; mas a experiência interior não está confinada à visão; esta apenas abre, ela não abarca.

   Todo o nosso ser deve ter necessidade de Deus, e não somente a nossa iluminada visão de conhecimento. Pois, desde que cada princípio em nós é apenas uma manifestação do Si, cada qual pode retornar a sua realidade e obter a experiência dela. Podemos ter uma experiência mental do Si, e apreender como realidades concretas todas aquelas coisas aparentemente abstratas que para a mente constituem a existência – a consciência, a força, o deleite e suas múltiplas formas e atividades: desse modo a mente se realiza em Deus. Podemos ter uma experiência emocional do Si através do Amor e do deleite emocional, do amor e do deleite do Si em nós, do Si no universo e do Si em todos aqueles com quem nos relacionamos; assim o coração se realiza em Deus. Podemos ter uma experiência estética do Si na beleza, na percepção e no sabor do deleite da realidade absoluta, todo-bela em todas as coisas, em seu apelo à mente estética e aos sentidos: dessa forma os sentidos se realizam em Deus. Podemos até mesmo ter a experiência vital, nervosa e, a bem dizer, a sensação física do Si em toda a vida e em toda formação, assim como em todas as atividades dos poderes, forças e energias que operam através de nós, dos outros ou do mundo; dessa maneira a vida e o corpo se realizam em Deus.

   Todo este conhecimento e experiência, são os meios primários de se alcançar e obter a identidade. Nosso é o Si que vemos e experimentamos; entretanto, a visão e a experiência são incompletas, a menos que sejamos capazes de viver em todo o nosso ser o conhecimento Vedântico, Ele sou eu. Devemos não somente ver a Deus e abraçá-lo, mas nos tornarmos essa Realidade.
Devemos nos tornar unos com o Si em sua transcendência de toda forma e manifestação, por meio da dissolução, da sublimação e do auto-abandono do ego, e de tudo o que lhe pertence, Àquilo do qual procedem, assim como nos tornarmos o Si em todas as suas existências e devires manifestados, unos com ele na existência, na consciência, na paz e no deleite infinitos pelos quais ele se revela em nós, e unos com ele na ação, na formação e no jogo de auto-concepção com o qual ele se traja no mundo.


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