Visões: Textos de Sri Aurobindo e da Mãe

   Geralmente, a visão é a expressão da consciência nas coisas.

                Podem as alucinações ser comparadas a visões?

Uma visão é a percepção, por meio dos órgãos visuais, de fenômenos realmente existentes num mundo correspondente ao órgão que vê. Por exemplo, ao plano vital individual corresponde um mundo vital cósmico.... Desse modo, pode-se ter visões que são vitais, mentais, sobrementais, supramentais, etc.
Sri aurobindo nos diz que aquilo que é denominado de alucinação é o reflexo na mente ou nos sentidos físicos daquilo que está além de nossa mente e de nossos sentidos comuns; não é portanto uma visão direta, mas uma imagem refletida que geralmente não é compreendida ou explicada.. Esse caráter de incerteza produz a impressão de algo irreal e origina todos os tipos de superstição. É por isso também que pessoas “sérias”, ou pessoas que se julgam sérias, não dão nenhum valor a esses fenômenos e os chamam de alucinações. E, no entanto, naqueles que se interessam por fenômenos ocultos, esse tipo de percepção geralmente precede o surgimento da capacidade da visão, a qual pode estar em curso de formação. Porém, você deve precaver-se de confundir isto com a visão verdadeira.

   Reservaremos a palavra “visão” para experiências que ocorrem em condições de consciência e sinceridade.

   Existem falsas visões?

   Se você narra algo que não viu, evidentemente é uma visão falsa. Da mesma forma, se você enfeita, reorganiza e muda sua visão ao relatá-la, isto também se torna uma falsa visão.

   Uma visão é falsa se o ser que aparece nela pretende ser o que não é?

Não creio que seja isto que as pessoas queiram dizer quando falam de “falsas visões”. Elas dizem “falsas visões” quando viram algo que julgam não existir; e a resposta que eu sempre lhes dou é: “Você já pensou naquilo que viu? Já fez um esforço para ver isto? Isso estava em sua imaginação ou em seu desejo? Se a resposta é sim, isso deve ser falso”... esses espíritos que fingem ser o que na realidade não são, se você acreditar neles, isto não significa que sua visão é falsa, mas que a interpretação de sua visão é falsa, que você não tem o discernimento necessário para perceber o engano.

Mãe


As visões que ele tem entre as sobrancelhas não são imaginações – poderiam sê-lo apenas se ele pensasse nelas antes e seus pensamentos tomassem forma; porém, como elas surgiram independentemente de seus pensamentos, elas não são imaginações visuais mas visões.

   Este domínio (cujo centro está entre as sobrancelhas) é o reino do pensamento, da vontade, da visão interiores....

   Existe uma visão interior que se abre quando a pessoa pratica sadhana, e todo tipo de imagens se elevam ou passam diante dela. Seu surgimento não depende do pensamento ou da vontade; é algo real e automático. Assim como seus olhos físicos vêem as coisas no mundo físico, da mesma forma os olhos internos vêem coisas e imagens que pertencem a outros mundos, bem como imagens sutis das coisas deste mundo físico também.

   As visões são de todos os tipos – algumas são apenas sugestões do que quer ser ou está tentando ser, algumas indicam uma aproximação da coisa ou um movimento em direção a ela, outras indicam que a coisa está sendo realizada.

   Visão no transe não o é menos que visão no estado de vigília. É somente a condição da consciência receptora que varia.... Mas em ambos os casos é a visão interior que vê.

   As visões mentais se destinam a introduzir na mente a influência das coisas que elas representam.

   Na visão mental as imagens são inventadas pela mente e são em parte verdadeiras, em parte um jogo de possibilidades. Ou uma visão mental, como a vital, pode ser apenas uma sugestão – ou seja, uma formação de alguma possibilidade no plano mental ou vital que se apresenta ao sadhak esperando ser aceita e ajudada a realizar-se.

   Sonhos ou visões no plano vital são geralmente uma dessas coisas:

  1. visões vitais simbólicas;
  2. eventos reais no plano vital;
  3. formações da mente vital, ou do sonhador ou de alguém com quem ele mantém contato no sono

ou de poderes ou seres desse plano. Não se pode confiar muito nesse tipo de experiência, mesmo que a primeira tenha apenas um valor relativo ou sugestivo, enquanto a segunda e a terceira são em geral completamente enganosas.

   Tudo o que não é físico é visto por uma visão interior.

   Quando a visão interior se abre, pode surgir diante dela tudo o que já existiu ou existe agora no mundo, e pode mesmo abrir-se para coisas que existirão no futuro – assim, não há nada de impossível em ver dessa maneira figuras e coisas do passado.

    A visão interior é vívida como a visão objetiva, é sempre precisa e contém em si uma verdade..

   A visão interior pode ver objetos, mas ela pode ver, além disso, a vibração das forças que agem através do objeto.

   Visão cósmica é a visão dos movimentos universais – ela não tem nada a ver com o psíquico necessariamente. Ela pode ocorrer na mente universal, no vital universal, no físico universal ou em qualquer lugar.

   Quando você vê Luz, isto é uma visão; quando sente a Luz penetrando em você, isto é uma experiência; quando a Luz se estabelece em você, trazendo iluminação e conhecimento, isto é uma realização. Mas as visões comuns também são chamadas de experiências.                                            

   Podemos obter dos filósofos ou dos mestres ou dos antigos escritos, claros e luminosos ensinamentos sobre o Si; podemos tentar formar uma imagem ou concepção mental dele por meio do pensamento, da inferência, da imaginação, da analogia ou por qualquer outro meio disponível; podemos manter firmemente essa concepção em nossa mente e fixá-la por uma total e exclusiva concentração; mas não o realizamos ainda, não obtivemos a visão de Deus. Somente quando, após longa e persistente concentração, ou por outro meio, o véu da mente tenha sido rompido ou afastado; apenas quando um fluxo de luz irrompa sobre a mentalidade desperta, jyotirmaya brahman, e a concepção dê lugar ao conhecimento-visão no qual o Si é tão presente, real e concreto como um objeto material para o olho físico, é que o possuímos no conhecimento: pois nós o vimos.                               

   O conhecimento supramental ou a experiência por identidade traz em si, como resultado ou uma parte secundária de si mesma, uma visão supramental que não necessita do suporte de nenhuma imagem, que pode concretizar o que é abstrato para a mente e possui o caráter da visão, embora o seu objeto possa ser a verdade invisível daquilo que tem forma ou a verdade do sem-forma. Essa visão pode surgir antes que haja qualquer identidade, como uma espécie de emanação prévia de luz que dela procede, ou pode agir separada dela como um poder independente. A verdade ou a coisa conhecida não é então, ou ainda, totalmente una comigo, mas um objeto de meu conhecimento: mas, apesar disso, ela é um objeto visto subjetivamente no si ou ao menos, ainda que esteja inteiramente separado e objetivado para o conhecedor, pelo si, não através de qualquer processo intermediário, mas por meio de uma apreensão interior direta ou por um contato luminoso penetrante e envolvente da consciência espiritual com seu objeto. É esta luminosa apreensão e contato que constitui a visão espiritual, drshti....

   Os sentidos só podem nos dar a imagem superficial das coisas e eles precisam da ajuda do pensamento para completar e tornar compreensível a imagem, mas a visão espiritual é capaz de mostrar-nos a coisa em si mesma e toda a sua verdade. O vidente não necessita do auxílio do pensamento nesse processo como um meio de conhecimento, mas apenas como um meio de representação e expressão – o pensamento é para ele um poder inferior usado para um propósito secundário.

   Dos poderes supramentais, essa experiência e conhecimento por meio da visão espiritual, é o segundo em precisão e grandeza. É algo muito mais íntimo, profundo e abrangente do que a visão mental, porque deriva diretamente do conhecimento por identidade, e possui a virtude de podermos passar imediatamente da visão para a identidade, assim como da identidade para a visão. Desse modo, quando a visão espiritual contempla a Deus, o Si ou o Brahman, a alma pode em seguida fundir-se e tornar-se una com o Si, com Deus ou Brahman.

   A visão supramental traz consigo uma experiência adicional e complementar que pode ser chamada de audição e tato espiritual da verdade – de sua essência e, através disso, de seu significado – ou seja, há uma apreensão de seu movimento, vibração, ritmo, e uma percepção de sua íntima presença, contato e substância. Todos esses poderes preparam-nos para nos tornarmos unos com aquilo que dessa maneira se fez próximo de nós por meio do conhecimento.

   Isto só pode ser realizado integralmente no plano supramental ou acima, mas ao mesmo tempo, a visão espiritual pode assumir formas mentais de si mesma que podem auxiliar, cada qual a seu próprio modo, rumo a essa identificação. A visão mental intuitiva ou mental espiritualizada, a visão psíquica, a visão emocional do coração, a visão na mente sensorial, são partes da experiência yóguica. Se essas coisas são puramente mentais, então elas podem, mas não precisam, ser verdadeiras, pois a mente é capaz tanto da verdade quanto do erro, de uma representação verdadeira ou de uma representação falsa. Porém, à medida que a mente se torna intuitiva e supramentalizada, esses poderes são purificados e corrigidos pela ação mais luminosa da supramente e se tornam, eles próprios, formas de uma visão supramental e verdadeira.

   Portanto, no desenvolvimento a partir da ignorância mental rumo ao conhecimento supramental, esse pensamento iluminado se manifesta em nós freqüentemente, embora nem sempre a princípio, para abrir o caminho para a visão, ou então para servir de apoio inicial para a crescente consciência de identidade e seu conhecimento superior.

Sri Aurobindo


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