VISÕES  DE  CHAMPAKLAL

SONHOS E VISÕES  DE  CHAMPAKLAL

   Foi na noite de 23-11-76, véspera de 24 de Novembro, o Dia do Jubileu de Ouro da grande Descida da Divindade Sobremental no corpo yóguicamente aperfeiçoado de Sri Aurobindo.
Por volta de uma e meia da madrugada, eu acabara de voltar do terraço e, como de costume, estava deitado próximo à cama de Sri Aurobindo. Após algum tempo, vi alguém, cujo corpo era imenso, sentado no chão ao lado da cama. Era uma figura bastante estranha e não muito clara. Eu tinha apenas a impressão de que havia alguém sentado ali e nada mais.
Sua boca expelia nuvens de fumaça de forma tão abundante quanto as chaminés das grandes fábricas; mas o que havia de estranho com aquela fumaça era que, ao invés de ascender, ela  espalhava-se em redor, causando-me inquietude e repugnância. Comecei até mesmo a sentir que aquele não era o quarto de Sri Aurobindo, mas um outro lugar qualquer.
Normalmente, acho a fumaça que se eleva do incenso ou mesmo da chaminé do nosso dispensário, algo bonito de se ver; mas a fumaça expelida por aquela figura indistinta, dava a impressão de algo maligno, verdadeiramente maligno. Pois, embora a tenha chamado de fumaça, não era exatamente isto, mas algo totalmente diferente, que não sei como denominar. Tudo que posso dizer é que aquilo apenas se assemelhava, de algum modo, a fumaça, e que à medida que entrava na atmosfera causava-me inquietude e apreensão.
Então, de repente, vi que uma pessoa ainda maior se achava presente, sentada perto daquela grande e hedionda figura. Eu sentia sua presença, mas não podia reconhecê-la. Contudo, ela não era, de forma alguma, repugnante nem ominosamente estranha como a primeira. Vi que esta outra pessoa de grande porte, emitia pela boca imensas quantidades de chamas douradas e brilhantes, que se espalhavam por todo o ambiente. Como resultado, toda a fumaça da qual falei e a atmosfera criada por aquela vaga figura de aparência maligna, foram aniquiladas. O processo dessa aniquilação é indescritível, mas assemelhava-se a um experimento com varias substâncias, conduzido por um cientista em seu laboratório, ou a um composto que o misturador de um médico prepara sistematicamente com vários remédios. Tudo o que acontecia era algo que está além do nosso poder de imaginação, mas que, de qualquer maneira, era muito interessante.
Quando todo o processo estava terminado, a atmosfera tornou-se não apenas cheia de paz e de alegria, mas também de algo que é impossível descrever em palavras.
O que havia   realmente de maravilhoso era o fato de que, embora toda a atmosfera estivesse repleta de chamas, tudo nela era extremamente refrescante e suave. Era uma visão gloriosa de se contemplar. A pessoa que vertia chamas pela boca, parecia agora ser feita, ela própria, daquelas chamas e daquela luz dourada. Era espantoso perceber que, embora parecesse não ter forma, ela era sentida como alguém que estivesse presente.
Não pude ver o que aconteceu à figura indistinta e abominável que expelira aquela fumaça.
Julgava estar desperto durante essa visão, mas quando a cena terminou, senti que estava apenas semi-desperto. Classifiquei isto como "não sendo um sonho", porque quando começou meus olhos estavam totalmente abertos.

   Fomos ambos a um determinado lugar com algumas pessoas e percorremos uma grande distância. Todos os outros achavam-se espalhados quando, de repente, me dei conta de que você desaparecera e eu estava sozinho. Assim, comecei a procurá-lo, e caminhei por longo tempo. Muito mais tarde, vi uma imensa montanha na qual não havia, porém, nenhum caminho ascendente. Estava a pensar no que fazer, quando comecei a subir sozinho e sem qualquer esforço, como se houvesse alguém a puxar-me para o alto. A uma pequena altura, vi um bonito local, no qual havia um grande reservatório de água. Vi-o perto do reservatório e você me disse que ia praticar o jalasamadhi, abandono da vida por imersão na água. Corri a ver se o segurava, mas você entrou na água. Consegui alcançá-lo e tirei-o de lá. Você protestou e pediu-me que seguisse por onde quisesse, que você faria o mesmo! E começou a subir em direção ao cume. Não havia na montanha nenhum ponto de apoio, e ela era tão elevada e tão íngreme, que nem sequer podíamos ver-lhe o topo. Observei para onde você se dirigia e pus-me a segui-lo. Desgostando disso, você atalhou-me: "Maharaj, por favor, deixe-me sozinho". Percebendo que você estava muito perturbado, fiquei onde estava.
Era tão extraordinária a maneira como você subia! Achava-me surpreso por vê-lo ascender com tanta facilidade. Então, ao tentar subir pelo outro lado da montanha, senti uma força a puxar-me sem cessar para o alto. Eu olhava lá de cima para baixo e não sentia nenhuma vertigem. Era surpreendente. De repente, vi-o sentado num certo local. Como cheguei até você, não sei. Mas, estávamos ambos muito contentes e você me disse: "Maharaj, meu período crítico já terminou. Agora vamos".  E começamos a subir cada vez mais, até que, por fim, alcançamos o topo da montanha. Por trás dela havia uma outra montanha, ainda mais alta, com um imenso  vale de permeio. Saltamos para a outra montanha e, havendo conseguido fazê-lo com facilidade, reiniciamos a ascensão. Em seu cume havia um Aghori, um tipo particular de tântrico. Ele perguntou-nos: "Como vocês conseguiram chegar aqui? É impossível. Eu sei que vocês vieram até aqui por causa de seu Guru. De outra forma, eu os teria devorado. Agora, não lhes posso fazer nada. Portanto, vão para a próxima montanha, onde encontrarão um grande sábio". Então, saltamos para a terceira montanha, que era ainda mais alta; mas, apesar disso, conseguimos alcançá-la. Ali, vimos um espaço inteiramente aberto, inundado por uma Luz dourada. O Sábio lá se encontrava, não a caminhar sobre o solo, mas a mover-se pelo ar. Ele ficou muito feliz ao ver-nos, e disse: "Eu estava a esperá-los. Agora, sentem-se e descansem". Dando-nos uma bebida, continuou: "Por meio dessa bebida, vocês serão capazes de ficar aqui. E aqui devem permanecer, mas não sei por quanto tempo, pois têm de ir ainda mais longe. Eu lhes direi para onde devem ir e quando". De qualquer modo, estávamos extremamente felizes ali. Olhando ao redor, você disse: "Gostaria de escrever sobre este lugar..."
Não sei o que aconteceu depois... Meus olhos se abriram e eu estava sorrindo.

 

   No dia em que chegamos à casa de Kanad, em Jammu, a primeira coisa que vi foi a bela fotografia da Mãe pendurada na parede da varanda. Eu já tinha visto muitas fotos desse tipo, mas aquela era excepcionalmente bela. O que me deixou muito contente.
Numa tarde, durante nossa estadia ali, estavam quase todos a repousar. Como           eu não precisava de repouso, pois, pela graça da Mãe, sempre me senti cheio de vigor, fui à varanda para desfrutar o ar fresco e sentei-me numa cadeira. A foto da Mãe estava atrás de mim. E sem cessar, eu me voltava para Ela, pois era muito difícil desviar os olhos. Era como se Ela  estivesse de pé à janela, olhando para mim. Feliz por ver aquilo, estava achando tudo muito agradável, quando Kanad apareceu e sentou-se perto de mim. Como eu estava observando silêncio, escrevi-lhe o que sentira em relação à fotografia.
Ao anoitecer, estávamos sentados em círculo no gramado. Após algum tempo, Kanad chegou e sentou-se do meu lado, pedindo-me a benção. Achei que seria muito interessante se ele soubesse o que acontecera logo antes de chegar. Eis o relato escrito por nosso irmão Richard, que também estava presente:
"Ao retornarmos, a amigável cadela, tão logo nos viu, veio ao nosso encontro abanando a cauda. Sentamo-nos então no gramado, formando um círculo. Na varanda, a foto da Mãe estava pendurada na parede. De repente, a cadela começou a latir e rosnar olhando para a varanda e evitando aproximar-se dela. Champaklal observava atentamente. Umaben tentou ordenar à cadela que ficasse quieta, mas esta não a obedecia; percebendo Champaklal que havia algo por trás desse estranho comportamento, fez sinal várias vezes a Umaben para que não a impedisse de latir.
E assim, talvez para demonstrar que a foto da Mãe era a causa da excitação ou talvez para acalmar a cadela, Umaben subiu à varanda calmamente e, falando com ela, colocou-se sob a fotografia. E para mostrar-lhe que não havia motivo algum para temer, chamou-a. A princípio, a cadela foi lentamente, a farejar com cuidado a área em redor da fotografia, como se ali houvesse o cheiro de alguém; convencida de que estava tudo bem, sentou-se novamente a um canto da varanda, perfeitamente calma e feliz."
Achei isto muito interessante, porque o que eu havia sentido durante o dia, foi sentido pela cadela ao anoitecer. Ela sentiu  a presença da Mãe. Primeiro, ficou assustada e pôs-se a latir, mantendo-se longe da foto. Então, lentamente, aproximou-se um pouco, parou e recomeçou a latir. Tornou a recuar, para em seguida chegar ainda mais perto; e novos latidos. Ela repetiu isso várias vezes. Por fim, com a ajuda de Umaben, aproximou-se da fotografia da Mãe.
Eu quis ver o que a cadela fazia deixada a si mesma. Foi interessante observar-lhe os movimentos e a expressão.

   Havia uma vasta extensão de espaço. Num ponto longínquo, viam-se muitas montanhas de cujas encostas precipitavam-se várias cascatas. Era um lugar esplendidamente belo, como eu não vira igual em parte alguma dos Himalaias.             
Todas as montanhas estavam cobertas de neve, mas seus picos eram invisíveis. Uma luz solar derramava-se sobre eles; contudo, era estranho perceber que os picos não eram visíveis. Podia-se perguntar como e de onde vinha aquela dourada luz solar.
Via-se ali um grandioso e magnífico ser sem qualquer vestimenta, semelhante à imagem de Vishnu deitado sobre um leito de  serpente. Eu não fazia idéia de onde o grande ser estava deitado, mas tive a impressão de que não havia nada, ele estava no ar.
Diante desse magnífico ser reclinado, havia também uma criatura em forma de leão, e esse leão expressava-lhe afeição de várias maneiras, chegando inclusive a mordê-lo amorosamente.
Eu, Kamalaben e Nirod estávamos a uns cinco metros de distância mais ou menos, a observar muito atentamente tudo aquilo. De repente, os olhos do leão voltaram-se para Kamalaben e ele encaminhou-se para nós. Pensei que se dirigia a Kamalaben, mas ao invés disso, veio até mim. Notei que, exceto por sua face, o corpo do leão era quase igual ao dos humanos.  Aproximando-se, inclinou-se para fazer-me pranam; em seguida, olhou-me fixamente e moveu as mãos sobre todo o meu corpo, sobre cada um dos lados; deu um belo sorriso e executou vários mudras, gestos de expressão interior. Permaneci completamente imóvel.
Então, indo na direção de Kamalaben, moveu as mãos sobre todo o seu corpo, pelos quatro lados, e pousou-as em seguida sobre sua cabeça. Dando-lhe um bonito sorriso, passou para Nirod e realizou nele tudo o que fizera em Kamalaben.
Isso teve em mim um efeito maravilhoso, e não há palavras que possam descrevê-lo.
Toda a cena desapareceu e meus olhos se abriram. Mas, o efeito permaneceu durante horas. Ainda tenho a visão diante dos olhos, por assim dizer.
Maravilhosa! Maravilhosa! Maravilhosa! E ainda que indescritível, esforcei-me por colocá-la em palavras.
É impossível escrever o que quer que seja sobre aquele esplêndido e grandioso ser.  


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