PENSAMENTOS E VISLUMBRES

Sri Aurobindo

            Alguns acham que é uma presunção acreditar numa Providência particular ou considerar-se um instrumento nas mãos de Deus. Porém, eu percebo que cada homem possui uma Providência especial e vejo que Deus maneja a picareta do operário e balbucia na boca da criancinha.

            A Providência não é apenas aquilo que me salva do naufrágio, quando todos os outros pereceram. A Providência é também aquilo que me arrebata a última tábua de salvação, enquanto todos os outros são salvos, e me afoga na solidão do oceano.

            A alegria da vitória é às vezes menor do que a atração da luta e do sofrimento; entretanto, o laurel e não a cruz deve ser a meta da alma conquistadora.

            As almas que não aspiram são os fracassos de Deus; contudo, a Natureza está satisfeita e adora multiplicá-las, porque elas asseguram a sua estabilidade e prolongam o seu império.

            Não são os pobres, ignorantes, mal-nascidos ou mal-educados que constituem a massa vulgar. Esta se compõe de todos aqueles que estão satisfeitos com a sua pequenez e com uma humanidade medíocre.

            Auxilia os homens, mas não os prives de sua energia; conduze-os e ensina-os, mas cuida para que sua iniciativa e sua originalidade se mantenham intactas; acolhe os outros em ti mesmo, mas dá-lhes em troca a plena divindade de sua natureza. Aquele que pode agir assim é o guia e o guru.

            Deus fez do mundo um campo de batalha e encheu-o com o tropel dos combatentes e os clamores de um grande conflito e de uma grande luta. Desejas arrebatar a Sua paz sem pagar o preço por Ele fixado?

            Desconfia de um sucesso aparentemente perfeito; porém, se depois de teres tido êxito, encontrares ainda muito por realizar, alegra-te e segue em frente, pois longo é o labor que antecede a verdadeira perfeição.

               Não há erro mais paralisante do que confundir um estágio com a meta ou demorar-se em demasia num lugar de descanso.

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Onde quer que vejas um grande fim, estejas certo de um grande começo. Quando uma monstruosa e dolorosa destruição estarrecer tua mente, consola-a com a certeza de uma grande e vasta criação. Deus está presente não apenas na pequena voz tranqüila, mas também no fogo e no turbilhão.

Quanto maior a destruição, mais profusas as chances de criação; mas a destruição é freqüentemente longa, demorada e opressiva, a criação vagarosa em seu aparecimento ou interrompida em seu triunfo. A noite retorna repetidas vezes e o dia tarda em chegar, ou parece mesmo ter havido um falso alvorecer. Não te desesperes, portanto, mas vigia e trabalha. Aqueles que esperam com inquietude, desesperam-se rapidamente: não esperes nem tenhas medo, mas fica certo do propósito de Deus e de tua vontade de realizar.

A Mão do Divino Artista trabalha freqüentemente como se estivesse insegura de seu gênio e de seu material. Parece tocar, testar e abandonar, tomar e lançar fora, apanhar de novo, avançar com dificuldade e falhar, corrigir e remendar. Surpresas e desapontamentos são a ordem de seu trabalho, antes que todas as coisas estejam prontas. O que foi selecionado é lançado no abismo da desaprovação; o que foi rejeitado torna-se a pedra angular de um poderoso edifício. Mas por trás de tudo isso está a visão segura de um conhecimento que ultrapassa nossa razão e o sorriso paciente de uma habilidade infinita.

Deus dispõe de todo o tempo diante de si e não necessita estar sempre correndo. Ele está certo de seu objetivo e de seu sucesso, e não se importa de quebrar sua obra centenas de vezes para trazê-la mais perto da perfeição. A paciência é nossa primeira grande lição necessária, mas não a apática lentidão em mover-se do tímido, do cético, do entediado, do indolente, do fraco ou do homem sem ambição: uma paciência cheia de força calma e concentrada, que observa e se prepara para a hora dos grandes e rápidos golpes, que são poucos, mas suficientes para mudar o destino.

Por que Deus martela tão ferozmente seu mundo, espezinha-o e esmaga-o como se fosse uma massa, mergulha-o tão freqüentemente num banho de sangue e no abrasamento infernal da fornalha? Porque a humanidade em seu conjunto é ainda um minério duro, grosseiro, desprezível, que de outra forma não se deixaria fundir e modelar; conforme seu material, assim seu método. Que ela se deixe transmutar em um metal mais nobre e mais puro, e a maneira de Deus tratá-la será mais gentil e mais suave, e muito mais belos e elevados os seus usos.

Por que Ele selecionou ou criou tal material quando tinha infinitas possibilidades de escolha? Porque sua divina Idéia tinha em vista não apenas a beleza, a doçura e a pureza, mas também a força, a vontade e a grandeza. Não desprezes a força nem a odeies por causa da fealdade de algumas de suas faces, nem penses que Deus seja apenas amor. Toda perfeição perfeita deve ter em si algo do estofo do herói e mesmo do Titã. Pois a maior força nasce da maior dificuldade.

 

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Tudo mudaria se o homem apenas consentisse em ser espiritualizado. Mas sua natureza mental, vital e física se rebela contra a lei superior. Ele ama sua imperfeição.

            O Espírito é a verdade de nosso ser. Em sua imperfeição, a mente, a vida e o corpo são suas máscaras, mas em sua perfeição eles deverão ser suas formas. Ser espiritual apenas não basta; isto prepara certo número de almas para o céu, mas deixa a terra exatamente como ela é. Um compromisso tampouco é o caminho da salvação.

            O mundo conhece três gêneros de revolução. A revolução material produz poderosos resultados; as revoluções morais e intelectuais são infinitamente mais vastas em seu alcance e mais ricas em seus frutos; porém, as revoluções espirituais constituem as grandes semeaduras.

            Se estas três mudanças pudessem coincidir numa perfeita correspondência, uma obra impecável seria realizada. Mas a mente e o corpo do homem não podem conter perfeitamente a potência do influxo espiritual: a maior parte é dissipada e muito do resto se corrompe. Muitos revolvimentos intelectuais e físicos de nosso solo são necessários, para se obter uma pequena colheita a partir de uma vasta semeadura espiritual.

Cada religião foi um auxílio à humanidade. O Paganismo incrementou no homem a luz da beleza, a amplitude e a grandeza de sua vida, sua tendência a uma perfeição multiforme. O Cristianismo deu-lhe uma visão do amor divino e da caridade. O Budismo mostrou-lhe um meio nobre de ser mais sábio, mais bondoso e mais puro. O Judaísmo e o Islamismo, como ser religiosamente fiel na ação e zeloso em sua devoção a Deus. O Hinduismo abriu-lhe as mais vastas e profundas possibilidades espirituais. Seria uma grande coisa se todas estas visões de Deus pudessem abraçar-se e fundir-se umas nas outras; porém, os dogmas intelectuais e o egoísmo dos cultos barram o caminho.

            Todas as religiões salvaram um determinado número de almas, mas nenhuma até agora foi capaz de espiritualizar a humanidade. Para isto, não são os cultos e os credos que são necessários, mas um esforço contínuo de evolução espiritual individual que englobe tudo.

 

            As transformações que vemos hoje no mundo são intelectuais, morais e físicas em seu ideal e sua intenção. A revolução espiritual aguarda sua hora e, nesse meio tempo, eleva suas ondas aqui e ali. Enquanto ela não vier, o sentido das outras mudanças não pode ser compreendido; e até lá, toda interpretação dos acontecimentos presentes e todas as previsões sobre o futuro do homem são coisas vãs. Pois a natureza, o poder e o resultado desta revolução constituem aquilo que determinará o próximo ciclo de nossa humanidade.


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